A viagem continuava. Voltávamos de uma visita a parentes no interior de São Paulo e tínhamos de percorrer 550 quilômetros até a nossa casa. Há duas horas estávamos na estrada, eu e minha filha, que viajava no banco traseiro. Já havíamos conversado sobre escola, super-heróis de televisão e sobre as gaiatices de seu primo que deixáramos para trás. Há uns quinze minutos, nos mantínhamos em silêncio, observando as paisagens. O melhor de uma viagem são as paisagens que não se permitem observar por longo tempo. Pela impossibilidade de fixar um ponto fora do infinito, olhamos mais para o que pensamos.
Sem preâmbulos que pudessem me preparar, minha filha lançou uma pergunta à queima-roupa:
– "Pai, o que é o nada?"
– "O nada? O nada é..."
Parei alguns instantes para pensar, e apontando para uma árvore salvadora que surgia mais adiante, continuei:
– "Por exemplo, se eu retirar aquela árvore lá da frente, o que fica no lugar da árvore? O nada!"
– "Não, pai. Vai ficar um buraco!"
– "Mas dentro do buraco tem o nada..."
– "Tem ar"
– "E se eu tirar o ar do buraco?"
– "Fica um buraco sem ar! E um buraco sem ar é alguma coisa, não é o nada"
Esforçava-me para encontrar um exemplo que pudesse apresentar o nada quando escutei:
– "Quando eu fecho os olhos e vejo tudo escuro, isso é o nada?"
– "Isso! Isso é o nada!"
– "Então o nada é preto?"
– "Não! O nada não é preto"
– "Qual é a cor do nada?"
– "O nada não tem cor"
– "Ué, por quê?"
– "Para que o nada tivesse cor, ele teria que ser um objeto, e deixaria de ser o nada. E se fosse a cor sem o objeto, ele seria a cor, e não o nada"
– "Então o nada também não é quente e nem frio, nem salgado e nem doce, nem mole e nem frio?"
– "Isso! Nós não podemos ver o nada, nem ouvir, nem tocar, nem provar e nem cheirar o nada"
O sol começou a incomodar. Abaixei o quebra-sol e veio-me uma luz.
– "Lembra-se dos filmes de espaço, como Star Wars? Então, ali no espaço sideral temos o nada"
– "Ah, sei!"
Dois minutos foram suficientes para que o nada sideral fosse para o espaço.
– "Então existem coisas dentro do nada! Planetas, estrelas, naves espaciais..."
– "Não! O nada seria um pedaço do espaço onde não há planetas, nem estrelas, nem meteoros, nem naves espaciais e nem poeira cósmica"
– "Então o nada tem início e tem fim! O nada tem fronteiras. Mas isso não é o nada, isso é um lugar, e um lugar é alguma coisa!"
Já haviam se esgotado as minhas possibilidades, quando escutei uma nova pergunta que me animou:
– "O conjunto vazio é o nada?"
– "Não! O conjunto vazio é um conjunto"
– "Mas ele não tem elementos"
– "A gente pode dizer que o conjunto vazio é o conjunto formado pelos elementos que satisfazem uma condição tal que nenhum elemento satisfaz, entendeu?"
– "Não!"
Apontando para uma fazenda de gado que surgia ao nosso lado, disse:
– "Podemos formar o conjunto das vacas que estão pastando, o conjunto das vacas brancas e o conjunto das vacas pretas. E o conjunto das vacas que estão voando?"
– "É o vazio! Mas eu posso formar o conjunto com o que eu quiser, com os alunos da minha escola, com as casas da nossa rua, com as fotografias de um álbum..."
– "Sim!"
– "Mas o conjunto vazio não tem elemento de qualquer conjunto. Eu poderia dizer que o conjunto vazio é formado pelos elementos que não estão em qualquer conjunto!"
– "Sim!"
– "Então o conjunto vazio é formado pelas não coisas! Se eu tirar tudo de um conjunto, eu fico com o conjunto vazio... Já sei! Já sei o que é o nada!"
O berro que ela deu me fez desalinhar o carro.
– "O nada é o que resta quando se tira tudo!"
Prosseguimos viagem. Eu estava jubilante ao perceber o padrão das especulações que minha filha fazia. A humanidade deveria invejar! Eu estava levando para casa o próximo Einstein: minha filha!
Já estávamos há 15 minutos com um sorriso nos lábios quando fui interrompido:
– "Pai! O que é o tudo?"
Puxei da sacola que estava no banco de carona uma barra de chocolate e a parti ao meio. Dei metade da barra à minha filha e disse:
– "Come chocolates, pequena. Come chocolates!"
E a minha metade eu comi com as verdades de todas as religiões.
Ledo Vaccaro